CPI das Bets: mais sorte da próxima vez

Quão longe chega a falência moral das instituições brasileiras? Uma forma de avaliar isso são os resultados das Comissões Parlamentares de Inquérito, as CPIs. Um nome pomposo desses cria a expectativa de que a lei enfim chegou e que a justiça será feita. No fim, CPIs parecem servir melhor como termômetro de nossa incapacidade no contexto da justiça, da moral e do simples fazer.
É o que ocorre nesta recente CPI sobre as “bets”, as casas de apostas na internet.
Uma atitude enérgica sobre as apostas online certamente tem sido necessária. Sempre existe o risco de que essas apostas sejam viciadas, ou usadas em operações financeiras escusas. Ademais, mesmo que regulares, elas causam à sociedade prejuízos inegáveis. Não raro a imprensa relata de como o vício em jogos de azar online leva pessoas a cometerem gastos pródigos. Os danos disso incluem falência, endividamento, depredação de patrimônio, depressão, até mesmo suicídio.
Pois, até o momento, essa CPI parece somente atiçar a curiosidade pelas apostas e promover a fama de seus divulgadores. Duas cenas cômicas obrigam a essa conclusão. Um dos intimados a depor foi uma celebridade que promove bets em redes sociais. Um senador interrompeu o inquérito para defendê-la e tirar fotos ao lado dela. Intimaram também outra celebridade, a quem pediram para explicar o jogo. Ele demonstrou jogando e ganhando uma aposta. Houve ainda parlamentares que deixaram os gabinetes para cumprimentar esses intimados e tirar fotos ao lado deles.
Isso não quer dizer que a ausência dessas cenas tornasse os resultados mais promissores. A CPI das Bets parte de premissas frágeis. Ali o problema não são as apostas, mas as possíveis irregularidades nelas. É claro, apostas viciadas e lavagem de dinheiro são riscos preocupantes. No entanto, mesmo regulares, apostas sempre causam impactos negativos na sociedade. Por ironia, o único resultado possível dessa CPI é uma impressão de saneamento das bets. Isso as legitimaria, deixando as pessoas mais tranqüilas para se arruinarem jogando. Afinal, o jogo está dentro da lei, fiscalizado pelas autoridades.
Um resultado contraproducente desses não causaria surpresa. Em teoria, CPIs são abertas para alcançar a verdade, solucionar problemas, discutir caminhos, combater corrupção. Na prática, são abertas por motivos políticos, servindo ora como palanque eleitoral, ora como ataque aos rivais, ora como desforra, ora até mesmo como maneira de desviar atenção de algum problema maior.
CPIs são conhecidas por entregarem resultados pífios. A CPI da Pedofilia, por exemplo, terminou sem indiciar qualquer pessoa por suspeita. CPIs também entregam resultados distorcidos. A CPI da Covid, por exemplo, serviu menos para investigar suspeitas de corrupção e mais para causar embaraços a concorrentes políticos nas eleições vindouras.
Poucas CPIs deram resultados de fato. Foi o caso da CPI de Paulo César Farias. Ela desencadeou o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, que decidiu renunciar antes que o impeachment ocorresse. O motivo disso foi a maneira como contou com as denúncias de Pedro Collor de Melo, irmão do ex-presidente. Para funcionarem, CPIs precisam de alguém disposto a realizar denúncias, a revelar nomes, a explicar esquemas.
Consultar esse passado obriga a concluir: a CPI das Bets possui toda condição para comprovar mais uma vez a ineficácia desses inquéritos. No melhor resultado, será irrelevante. No pior, contraproducente. Os episódios cômicos com as celebridades revelam que o inquérito está sendo malconduzido. Ademais, a CPI não conta com alguém disposto a denunciar. As chances não estão a favor desta rodada.
Pior do que isso, a CPI é sabotada de antemão pelas próprias premissas. Ela pressupõe que não há problema com as apostas em si, mas com irregularidades nelas. Com isso, ignora os danos causados pelo vício no jogos. Isso anula sua única chance de resultar em algo prestável. O inquérito talvez fosse mais útil se recolhesse o depoimento de pessoas que se arruinaram com essas apostas. É claro, isso não resolveria o problema. Mas ao menos o documentaria, gerando esperanças de que seja abordado no futuro de forma mais adequada.
Ademais, vale a pena lembrar que um inquérito para descobrir se apostas são viciadas é desnecessário. Isso é fácil de deduzir. Todo cassino joga contra os demais jogadores. Se quiser gerar lucro, ele precisa ao fim ganhar. Mais do que isso, o cassino precisa ganhar convencendo de que pode perder, atraindo jogadores. Esse resultado somente se alcança manipulando os resultados dos jogos. Para concluir isso, basta um pouco de lógica. Mais sorte da próxima vez.
(Com informações de Shockwave Radio)
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Bacharel em Comunicação Social, Economia e Filosofia. Mestre em Relações Internacionais.