Dez anos do crime da Samarco e as feridas de Aracruz ainda pedem justiça

Dez anos do crime da Samarco e as feridas de Aracruz ainda pedem justiça

Dez anos depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, as marcas do crime ainda são sentidas em Aracruz. O Rio Doce adoeceu, o Piraquê-Açu sofre as consequências, e a luta das comunidades continua por memória, dignidade e justiça.

 


“Enquanto houver lama, haverá ferida.
E enquanto houver ferida, haverá voz.”


Por: Hellen Clementino/ Folha Aracruz 

 

Ontem, 5 de novembro, completaram-se dez anos da maior tragédia ambiental da história do Brasil. Dez anos desde que a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, se rompeu em Mariana (MG), arrastando consigo rios, vilas, vidas e histórias. A lama desceu o Rio Doce, atravessou o Espírito Santo e se misturou à vida de quem dependia dela.

Em Aracruz, as feridas ainda não cicatrizaram. Pescadores que nunca mais pescaram, famílias que perderam o sustento, e uma natureza que continua gritando, mesmo quando ninguém quer ouvir. O tempo passou, mas o dano ficou.

Aracruz faz parte da bacia do Rio Doce, e também abriga o Rio Piraquê-Açu, um dos principais corpos d’água do nosso município. Estudos técnicos do Ibama e do Comitê Interfederativo da Fundação Renova mostraram que os rejeitos da barragem alcançaram a foz do Piraquê-Açu, alterando o sedimento e trazendo elementos metálicos que ainda são monitorados. O estuário do rio, que sempre foi símbolo de vida e trabalho, hoje é território de resistência — e também de alerta.

A boa notícia é que há olhos voltados para cá. A prefeitura de Aracruz tem buscado proteger o Piraquê-Açu, e recentemente foi anunciada uma linha de R$ 7 milhões, via FUNBIO, para a recuperação do manguezal em parceria com a UFES. Além disso, uma nova resolução protege as comunidades tradicionais do entorno, restringindo a pesca com redes para quem não mora na região. São pequenas vitórias dentro de um cenário que ainda exige muito mais.

O prefeito de Aracruz, que hoje também representa o município pela AMUNES nos assuntos referentes aos municípios da bacia do Rio Doce, tem levado a pauta adiante. Sua presença e seu diálogo com outras lideranças dão voz a quem foi atingido e mostram que há, sim, espaço para acreditar. É importante reconhecer isso, porque quando a representação é firme e humana, ela inspira. E Aracruz precisa de autoridade que sente, que entende e que cobra.

Mas, mesmo com avanços e presenças importantes, não dá pra calar o que ainda dói.
Ainda há quem defenda a empresa.
Ainda há quem sinta pena de quem destruiu.

E é aqui que eu deixo o profissional dar lugar à minha voz de cidadã: a Samarco não é vítima.
Vítima é o povo.

Vítimas são os pescadores de Barra do Riacho, de Santa Cruz, de Vila do Riacho e das comunidades indígenas. Vítimas são os que tinham no rio a própria vida e viram essa vida se desfazer em lama.

Dez anos se passaram, e o Rio Doce segue doente. O Piraquê-Açu, nosso vizinho de dor, carrega em seu leito o reflexo dessa tragédia. E nós, como sociedade, seguimos testando a nossa memória e, se ainda lembramos, é porque ainda há esperança. Mas se deixarmos cair no esquecimento, então a lama venceu.
E a lama nunca pode vencer.